A nossa caderneta de cromos

Todos os casais liberais têm a sua caderneta de cromos, com as pessoas ou grupos mais estranhos e caricatos que vão conhecendo. Aqui fica uma breve lista de alguns dos nossos cromos favoritos.

Costuma dizer-se que, visto de perto, ninguém é normal. Parece apenas uma frase feita. Mas é a verdade. Basta olhar para nós para o perceber somos um casal normal, com uma família normal, filhos, trabalhos, contas e empréstimos para pagar. E, no entanto, somos dois hedonistas que adoram ter um lado B da sua vida íntima.

Somos libertinos, somos fetichistas, gostamos de sexo, gostamos de experimentar – e repetir – tudo o que nos excita. Vamos muitas vezes ao limite, arrependemo-nos em alguns casos, mas no final da noite sentimo-nos sempre satisfeitos. Claro que visto de perto, nada disto é normal. Pelo menos, na percepção que as pessoas têm do que é a normalidade.

Como nós, há muitos outros. Homens, mulheres e casais. No meio desta falta de normalidade, há alguns que são menos normais do que seria de esperar. E ao longo dos anos fomos conhecendo alguns.

Como à noite (e nos sítios que frequentamos) a luz não abunda, acabamos quase sempre por identificar as pessoas por pequenos detalhes. Elementos físicos, posturas ou comportamentos são uma forma de catalogar os “cromos” do mundo do swing, do fetichismo e do BDSM. No nosso caso, isto leva sempre à criação de alcunhas que funcionam como um código entre os dois para identificar as pessoas com que nos cruzamos.

Os suricatas são toda uma espécie de pessoas – normalmente homens sozinhos, ou singles masculinos, como são conhecidos no meio – que se comportam tal e qual como os pequenos animais. Andam em grupo, quase sempre a improvisar algum individualismo e com ar do “estou aqui só para ver as vistas”. Mas basta um deles identificar um potencial alvo que pareça disponível, para se juntarem em grupo, todos em pé, parados, a olhar como se estivessem na savana. São inofensivos, apesar de inconvenientes.

Também há muitos casais “sim/não”. Este é o tipo de casal em que um dos elementos quer muito ter experiências sexuais fora da norma, enquanto o outro preferia estar em casa a ver “O Programa da Cristina” (normalmente a mulher). O caso mais estranho que encontrámos foi o “casal da muda”. Era um casal normal, um rapaz simpático e a sua querida e completamente silenciosa mulher. Fomos para um quarto os quatro e ela manteve-se muda o tempo todo. O único som que emitiu foi quando alguém lhe tocou e a convidou para sair do canto onde estava literalmente encostada e juntar-se ao resto do grupo. Soltou um grito que nos fez olhar um para o outro e dizer a nossa palavra de segurança (a que dizemos quando algo não está bem e devemos parar tudo o que estamos a fazer) numa sintonia digna do coro de Santo Amaro de Oeiras. “VERDE”, ou seja, “obrigado amigos, mas isto não é para vocês e nós não estamos no negócio de endoutrinar, só queremos estar com quem está bem. Fica para uma próxima ou para nunca mais”.

Outro famoso cromo que se cruzou connosco foi o “gingão”. Um rapaz que tinha bom aspeto e que convidamos a juntar-se a nós uma noite. Problema: quando o convite foi feito estávamos todos sentados e não tínhamos trocado uma palavra. Assim que ele se levantou percebemos que algo não jogava bem ali. O tipo andava de uma forma estranha. Não era coxo, era um gingão. A andar e em tudo o resto. O resultado foi um quarto de hora perdido de profundo constrangimento, que terminou com um “espero que tenham gostado” muito enrolado da parte dele e que o denunciou: o gingão era uma pessoa com paralisia cerebral (literalmente). Ponto positivo: já riscamos o sexo com pessoas de mobilidade reduzida da nossa lista de “desejos”.

Mas se este momento foi estranho – quase tanto como o senhor que adorava ver a mulher ter sexo de perto, muito perto, demasiado perto, tão perto que se sentia a sua respiração ofegante ao nosso ouvido enquanto ela tinha sexo – não há cromo que bata o “Larry David”. Não o criador de “Seinfeld”, mas um cavalheiro muito, mas mesmo muito parecido. Tanto fisicamente – careca, óculos e ar desajeitado do alto dos seus 70 anos -, como na abordagem esquisita, a roçar o creepy.

Tudo começou com uma conversa para quebrar o gelo, lançada pelo “Larry David”. “Gosta de cunnilingus?”. “Bem, sim, quem não gosta”. “E que lhe lambam os testículos enquanto faz amor com a sua mulher”. “Isso já depende…”. “Mas já experimentou???”. “Sim” (a ficar incomodado). “E não quer experimentar outra vez… comigo?”. “Obrigado pelo convite (pausa), mas não.”. “De certeza? Gosto tanto – e olhe que tenho muito jeito…”. Foi neste momento que nos levantámos, trocámos um “VERDE” telepático, dissemos boa noite e fugimos até um sítio onde pudéssemos rir à gargalhada da situação que entrou diretamente para o top 3 dos momentos estranhos que estes libertinos já viveram.

“Isto não é normal”, dizia ela, ainda a rir-se. Pois não, visto de perto, ninguém é normal.

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