Ansiedade de desempenho: o que fazer quando o medo de falhar afeta a nossa vida sexual?

A ansiedade acompanha-nos em todos os momentos da nossa vida. O problema é quando tem um impacto na nossa resposta sexual e pode conduzir a problemas de ejaculação precoce ou de disfunção erétil.

Toda a gente passa por isto. Um ambiente diferente, uma nova experiência sexual ou a perspetiva de envolvimento com um novo parceiro são situações que, normalmente, criam em nós uma mistura de emoções – da curiosidade à excitação, mas também à ansiedade. Neste último caso, está muitas vezes relacionado com a dúvida se seremos ou não capazes de estar à altura da situação. E isso é normal. O problema surge quando há inquietação a mais e a ansiedade deixa de ser apenas uma preocupação psicológica – e pode começar a ter um impacto na sua resposta sexual.

Os dados indicam que a ansiedade de desempenho é um problema bastante comum: um estudo publicado no Journal of Sexual Medicine, em 2014, analisou a prevalência deste problema em mais de 4 mil homens. As conclusões dos investigadores apontam que cerca de 25% dos participantes tiveram problemas relacionados com disfunção erétil associada à ansiedade de performance em algum momento da sua vida.

À Kinks, Catarina Lucas, psicóloga clínica e terapeuta de casal, esclarece que a ansiedade de desempenho não é um problema que se resuma ao quarto. “Não é um tema exclusivo da área sexual. Usamos este termo para uma série de realidades na nossa vida, seja no âmbito profissional, académico ou até desportivo”, explica, salientando que a ansiedade de desempenho está associada ao que que é a nossa prestação, o nosso desempenho. “Quando falamos de ansiedade falamos sempre de uma antecipação do que será o nosso desempenho numa determinada área. No caso específico do sexo, falamos de uma ansiedade de desempenho sobretudo associada à resposta sexual”, clarifica.

Segundo a especialista, “a ansiedade de performance é uma ansiedade antecipatória daquilo que nós sentimos e que pensamos face àquilo que vamos vivenciar. Se eu tenho uma expetativa de me envolver sexualmente com uma pessoa, já vou ter essa ansiedade antecipatória, um pensamento sobre aquilo que vai ser o meu desempenho”. Catarina Lucas destaca que esta ansiedade “é algo sempre muito focado no desempenho” e não tanto no que acreditamos que vamos sentir emocionalmente, mas antes no que vai ser “a resposta sexual, a performance”. “É a ansiedade antecipatória sobre se eu vou ser capaz de agradar ou corresponder às expetativas da outra pessoa”, refere, sublinhando que a ansiedade de desempenho é um dos maiores inimigos da resposta sexual e um dos grandes preditores da disfunção sexual.

“Como o primeiro contacto que muitos homens têm com o sexo é através da pornografia, as expetativas que se criam é que devem ter uma performance semelhante aos filmes e isso acaba por levar a situações de ansiedade de desempenho. Ou seja, cria-se uma expetativa de situações que têm muito pouca correspondência com aquilo que são as relações reais. O que acontece na pornografia não tem nada que ver com o que sucede no ato sexual na vida real”

Apesar de estar mais associada aos homens, Catarina Lucas explica que este problema também afeta as mulheres. Neste caso, manifesta-se frequentemente através de uma contração dos músculos vaginais, o que pode conduz a relações sexuais dolorosas. Mas é nos homens, sublinha, que a ansiedade de desempenho tem um maior impacto. “Nos homens é mais visível e leva, muitas vezes, a uma disfunção ou a uma ejaculação precoce – que é a manifestação mais comum”, adianta, revelando que este problema pode levar a uma diminuição do desejo sexual.

“Uma falha na resposta sexual alimenta a nossa crença de que vai repetir-se. A pessoa acredita que vai falhar e isso pode levar a nem sequer tentar ter sexo. Se sei que não vou estar à altura nem vou ser capaz, eu não tento e isso diminui o desejo sexual”. Ou seja, explica a especialista, quando o tema é a ansiedade de desempenho, há um efeito de bola de neve: “forma-se um ciclo em que se antecipa uma falha na resposta sexual. Há uma insegurança. Essa insegurança gera uma falha na resposta e nas vezes seguintes aumenta a ansiedade de falhar”, explica à Kinks Catarina Lucas, frisando que, “este ciclo pode ganhar dimensões tão grandes que há um evitamento [do ato sexual]. Se é para falhar, o que as pessoas pensam é que mais vale nem tentar”. “Isto é muito comum. É mais fácil não existir relação do que lidar com a falha”, revela.

Catarina Lucas alerta, contudo, que aquilo que, muitas vezes, as pessoas consideram ser uma falha na resposta sexual é, na verdade, um problema de expetativa. “Se uma pessoa acha que vai durar meia hora e depois só dura cinco minutos, isto não significa que haja uma falha na resposta. Pode significar antes que a expetativa está desajustada”.

Esta visão desajustada do que deve ser uma relação sexual – e as expetativas associadas – têm raízes na aprendizagem do que é o sexo, particularmente através da pornografia. “Não há nada errado com a pornografia. Tem um objetivo, trabalha as situações e as imagens de acordo com um determinado guião. Mas é importante que as pessoas compreendam que o que acontece na pornografia não tem nada que ver com o que sucede no ato sexual na vida real”, avisa Catarina Lucas, referindo-se especificamente aos “orgasmos das mulheres, à forma como as mulheres gemem e até a alguma instrumentalização do papel em que é colocada a mulher”.

“Cria-se uma expetativa de situações irrealistas daquilo que é, na realidade, o ato sexual. Tem muito pouca correspondência com aquilo que são as relações reais”. Contudo, sublinha a psicóloga, “como o primeiro contacto que muitos homens têm com o sexo é, exatamente, através da pornografia, as expetativas que se criam é que devem ter uma performance semelhante e isso acaba por levar a situações de ansiedade de desempenho”. E se o ponto de partida pode não ser o mais adequado, a verdade é que, na maior parte dos casos, a resposta a estes episódios de ansiedade de desempenho também não é a melhor. Particularmente quando envolve a toma de medicamentos para a disfunção erétil sem qualquer tipo de acompanhamento médico. “Há quem recorra a estes medicamentos para potenciar o desempenho sexual ou ter experiências mais prolongadas, mas também para colmatar a ansiedade ou o receio de ter uma falha na resposta”, explica a especialista, que avisa que o caminho não deve ser esse, especialmente nos casos em que é feito sem receita médica e, portanto, sem qualquer tipo de acompanhamento profissional.

“Muitas vezes, as pessoas que exibem este tipo de ansiedade são pessoas que já são, de uma forma geral, ansiosas nas restantes dimensões da sua vida. É importante haver um trabalho para dar resposta a essa ansiedade generalizada e, assim, ir também ao encontro dos problemas associados à falha na resposta sexual”

A terapeuta refere que há várias formas de enfrentar a ansiedade de desempenho. “Muitas vezes, as pessoas que exibem este tipo de ansiedade são pessoas que já são, de uma forma geral, ansiosas nas restantes dimensões da sua vida. É importante haver um trabalho para dar resposta a essa ansiedade generalizada e, assim, ir também ao encontro dos problemas associados à falha na resposta sexual”. Catarina Lucas adianta que a solução, dependendo do caso, poderá passar por algum tipo de ansiolítico, mas também pela criação de mecanismos de defesa que podem ser trabalhados em conjunto com o terapeuta.

“Estamos a falar de um tipo de ansiedade que surge de crenças que, muitas vezes são irracionais”, recorda, frisando que há várias formas de tentar combater isso, como “tentar abstrair-se destes pensamentos, estar mais focado no momento e não tanto na antecipação”. “Também pode ser positivo não programar tanto as coisas. A espontaneidade ajuda a eliminar ou a diminuir esta ansiedade antecipatória”, sugere.

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