Querido Instagram, podes deixar-nos em paz?

Todos os dias, milhares de contas são bloqueadas ou simplesmente apagadas, por violarem as ditas “diretrizes da comunidade”, sem qualquer critério. Já está na altura de falar sobre este problema que, diariamente, põe em causa anos de trabalho de muitas pessoas e marcas.

Não é o tema mais sensual ou kinky do mundo, mas é, cada vez mais, incontornável. Chegou a altura de falarmos sobre o elefante na sala. Ou melhor, de falar, diretamente, com o elefante da sala, se ele nos quiser ouvir. Por isso, aqui vai: querido Instagram, podes fazer o favor de nos deixar viver as nossas vidas? Só pedimos para ser felizes e poder partilhar os nossos conteúdos, sem sentirmos que vivemos numa daquelas ditaduras dos filmes distópicos, em que o mundo é gerido por máquinas insensíveis e irracionais. Não é pedir muito, pois não?

Isto não é um grito de revolta. É só um desabafo. Estamos cansados de, todos os dias, sermos confrontados com a dura realidade de ver desaparecer contas de amigos e marcas que dedicaram anos a produzir conteúdos para o Instagram e que dependem desta rede social para fazer chegar o seu trabalho a outras pessoas. Estamos fartos do sentimento de impotência que nos invade sempre que vemos alguém que seguimos “desaparecer do mapa”, neste caso do Instagram. Estamos saturados de ouvir histórias de pessoas ou marcas que viram as suas contas apagadas quase uma dezena de vezes até decidirem baixar os braços e desistir de tentar criar conteúdo que torna os nossos dias mais coloridos e agradáveis.

De acordo com dados do próprio Instagram, todos os dias são temporariamente bloqueadas ou totalmente apagadas cerca de um milhão de contas, em todo o mundo. O “crime” que justifica estas sentenças de morte é quase sempre o mesmo: violação das “diretrizes da comunidade”. O problema é que este é um conceito tão vago que é impossível compreender.

Estamos cansados de todos os dias, sermos confrontados com a dura realidade de ver desaparecer contas de amigos e marcas que dedicaram anos a produzir conteúdos para o Instagram e que dependem desta rede social para fazer chegar o seu trabalho a outras pessoas. Estamos fartos do sentimento de impotência que nos invade sempre que vemos alguém que seguimos “desaparecer do mapa”

Quem trabalha ou produz algum tipo de conteúdo que possa, remotamente, ter algo que ver com erotismo – e cuja distribuição depende desta rede social – vive no constante sobressalto de não saber se, no dia seguinte, ainda terá conta ativa nesta rede social. E não, não basta investir no patrocínio de posts, ter cuidado com a escolha de palavras – essas palavras que a Meta inventou que são proibidas – ou ser “bem-comportado”. Porque, tal como a pesca de arrasto dizima o fundo dos oceanos, os bots do Instagram estão sempre com fome de justiça divina em nome de uma religião que ainda não se percebeu bem qual é.

Por muito que nos custe dizer isto, a verdade é que a sensação com que ficamos – nós e as pessoas com quem contactamos diariamente – é que, para os bots que patrulham o Instagram, não existe a mais pequena diferença entre a imagem de uma mulher sensual com um decote acentuado e um vídeo de alguém a promover o genocídio de crianças. E isso é extremamente injusto, com um “F” bem maiúsculo.

Isto torna-se ainda mais revoltante quando percebemos que não há ninguém que esteja disponível para ouvir o nosso lado da história. Não há um “guiché” para apresentar os nossos argumentos ou um livro de reclamações. Nem sequer há um tipo de meia-idade, meio calvo e com rabo-de-cavalo, que viva numa cave, em casa dos pais, rodeado de monitores e um teclado cheio de pó e restos de Cheetos e Doritos, com quem se possa tentar racionalizar ou contestar as decisões da Meta.

Quem nunca teve pesadelos com este tipo de notificação?

Alguém devia organizar uma ação de formação para os executivos da Meta acerca do que são conteúdos eróticos e sobre quem são as pessoas que os produzem. É que a esmagadora maioria destes criadores de conteúdos são pessoas com uma visão muito esclarecida do que é o erotismo e do que é a sensualidade.

Falamos de fotógrafos, modelos, escritores de contos e de poesia erótica, donos de clubes e outros espaços liberais, que falam para um público muito segmentado e bem esclarecido sobre estes temas. São, muitas vezes, pessoas que dependem do Instagram para manter os seus negócios à tona e que a última coisa que seriam capazes de fazer era criar, de forma consciente, algum tipo de conteúdo que fosse considerado ofensivo por qualquer pessoa – ou máquina – com dois dedos de testa.

Tudo isto se torna ainda mais revoltante quando percebemos que não há ninguém que esteja disponível para ouvir o nosso lado da história. Não há um “guiché” para apresentar os nossos argumentos ou um livro de reclamações. Nem sequer há um tipo de meia-idade, meio calvo e com rabo-de-cavalo, que viva numa cave, em casa dos pais, rodeado de monitores e um teclado cheio de pó e restos de Cheetos e Doritos, com quem se possa tentar racionalizar ou contestar as decisões da Meta.

O mais revoltante é que isto não nos afeta só na relação com as outras pessoas. Afeta as nossas carteiras. Há empresas que ficam sem forma de comunicar com os seus clientes. Há pessoas que deixam de conseguir ter a visibilidade que, depois, lhes permite monetizar o seu trabalho. E há muitas, muitas horas de dedicação, de esforço e de trabalho que nem sequer ficam guardadas numa cloud depois da “execução” da sentença, para poderem arquivar nos seus computadores ou smartphones.

Numa altura de extrema polarização do mundo, o erotismo e as pessoas que se dedicam a este tipo de matérias, devia estar no fim da lista de preocupações do Instagram. Entre grupos extremistas organizados, discurso de ódio, bullying e perseguições políticas ou religiosas, há tantos sítios por onde esta “limpeza” do Instagram podia começar. E pelo meio, deixavam quem se dedica ao erotismo – que tantas vezes contribui para o bem-estar mental – em paz.

Que te parece esta proposta, querido Instagram? Vá lá, o Natal está mesmo aí ao virar da esquina. Dá-nos lá essa prendinha e deixa-nos ser – e fazer os outros – felizes.

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