Tinham uma visão muito própria do que devia ser o swing. Agora são donos dos mais famosos clubes do País
Filipe e Lúcia começaram por criar um espaço à imagem do que consideravam que devia ser o mundo liberal. O resto acabou por ser tudo fruto do acaso – e de muito trabalho. Conheça melhor os donos do Glow, do Golden Key e de O Templo.
É quase impossível para quem se movimenta no meio swinger em Portugal nunca ter ouvido falar de clubes como o Glow, o Golden Key ou O Templo. Com mais de seis mil membros registados, estes três clubes do Norte estão entre os mais famosos no panorama nacional e são palco de algumas das melhores festas do nosso País. O que pouca gente sabe é que estes espaços pertencem todos a um só casal. Filipe e Lúcia são swingers há mais de uma década e a sua transição de simples clientes para empresários do meio deu-se porque sempre tiveram uma ideia muito clara do que deveria ser o mundo do swing em Portugal e quiseram partilhar essa visão com todos.
À Kinks, Filipe recorda a entrada do casal no swing: “Nós, como casal, tínhamos um conceito muito mais liberal. Não estávamos interessados em conhecer pessoas. Não íamos para um clube para a parte social, para dançar ou para beber – até porque não bebemos”, recorda, explicando que o que mais lhes interessava era a experiência sexual: “foi isso que nos fez entrar no meio”.
Apesar de frequentarem vários clubes do Norte do País, de terem criado laços com alguns dos espaços e de terem conhecido “muitos casais, muitas pessoas interessantes”, Filipe revela que o casal começou a ser visita regular de um clube em Vigo, na Galiza (Espanha), o Noches de Embrujo. “Ali havia elementos que, na altura não se via em Portugal e que nós valorizávamos, como era o caso dos gloryholes, dos espaços com labirintos ou de zonas mais escuras”, lembra.
Em 2017, uma oportunidade de negócio, fruto do acaso, deixou Filipe e Lúcia a pensar, pela primeira vez, mais a sério na possibilidade de começar a gerir um clube. “Nós frequentávamos o Lust, um clube em Ermesinde que era mais pequeno, mais caseiro, familiar e onde as pessoas se conheciam todas. Era um clube muito agradável”, lembra, explicando que, na altura, os donos do espaço lhe disseram que “estavam a pensar passar o clube”. Foi nessa altura que Lúcia mostrou o seu interesse em gerir um clube, de ter a possibilidade de “pegar em algo que já funcionava bem, mas introduzir algumas alterações que fizessem deste um clube mais próximo do que era o nosso conceito do swing”.
Garante que a ideia foi sempre essa. “Não nos metemos nisto com uma perspetiva de negócio, até porque tínhamos a nossa vida completamente organizada, com as nossas profissões, não precisávamos disto para viver”, salienta, lembrando que foi assim que, há quase sete anos, em outubro de 2017, nasceu o Glow.
“Não nos metemos nisto com uma perspetiva de negócio, até porque tínhamos a nossa vida completamente organizada, com as nossas profissões, não precisávamos disto para viver”.
Contudo, não foi a abertura que tinham sonhado: “quisemos abrir aquilo muito rapidamente com medo que os clientes fugissem e não fizemos as obras de fundo que devíamos ter feito logo de início”. Poucos meses depois, o clube entrou em obras profundas, para ficar, finalmente, à imagem do que o casal tinha idealizado, com conceito de gloryholes, labirintos, grades. “Fomos buscar inspiração ao que conhecíamos, essencialmente aos clubes espanhóis”, frisa o empresário.
Com o fim das obras e o renascimento do Glow, chegou finalmente o sucesso. “O clube teve um crescimento exponencial. Estava sempre cheio ao sábado”. Tudo indicava que Filipe e Lúcia ficariam por aqui, até pela exigência que a gestão de um clube implicava. Isto se não houvesse um outro clube – o Golden Key – que ficava a apenas cerca de 1,5 quilómetros do Glow e cujos donos estavam à procura de quem quisesse tomar conta do negócio.
“Surgiu a hipótese de ficarmos com o clube e decidimos avançar, principalmente numa lógica de alternativa ao Glow”, esclarece Filipe à Kinks, sublinhando que existiam, já na altura, enormes diferenças entre o Glow e o Golden Key. “O Key sempre foi um clube mais de diversão, mais musical. Os quartos funcionam, os comunitários funcionam, mas o objetivo sempre foi ter um registo completamente diferente do Glow”, assegura, recordando que este tipo de clube, mais associado à música e diversão é também mais apelativo a um público mais jovem. “Pensámos: vamos aproveitar este espaço para outro tipo de eventos com mais animação que não é possível fazer no Glow”.
O casal passou a gerir o Golden Key no final de 2019. Tal como já tinha acontecido com o Glow, o início que foi tudo menos pacífico. Pelo contrário. “Primeiro ficámos sem clientes que se mudaram para outro clube”, recorda, lembrando que chegaram mesmo a equacionar deixar morrer o Key. “Mas como não somos pessoas de desistir, decidimos fazer obras e reconstruir tudo”. “Queríamos abrir em março, as obras foram um pouco em contra-relógio, mas o clube ficou espetacular”.
Lúcia e Filipe estavam extasiados com o renascido Golden Key. Já havia data e tudo para a abertura, agendada para dia 14 de março de 2020. Problema: um dia antes, foi decretado o confinamento total do País por causa da pandemia de Covid-19.
“Ficámos com um clube completamente novo, por estrear, fechado. Isso abalou-nos profundamente. Tínhamos investido o que tínhamos e o que não tínhamos e isso foi um período que nos abalou muito”, revela Filipe, frisando que, assim que as medidas de restrição começaram a aliviar, abriram o espaço, mas apenas como café. “Fechava à meia-noite, cumpria todas as regras, era só o necessário para conseguir pagar a renda”, sublinha, confessando que a sua maior preocupação era não chegar ao fim da pandemia cheio de dívidas. Prova superada.
Como não há duas sem três, tal como o Glow e o Gloden Key foram parar às mãos de Filipe e Lúcia por acasos e oportunidades, surgiu, em 2022, de o casal ficar com mais um clube. “O proprietário do Moulin Rouge queria passar o espaço e falou comigo sobre isso”, lembra.
Cada um dos três clubes tem o seu conceito e o seu público: o Glow é um espaço com conceito muito liberal, mais hardcore. Já o Key tem um conceito mais musical e de animação, para um público mais jovem. Por seu turno, O Templo é um meio termo entre os dois anteriores.
Para Filipe, a sugestão fazia todo o sentido. “Eu queria um sítio meu, onde não pagasse renda. Surgiu a oportunidade de comprar a loja em si e o negócio que tinha uma localização única, no centro do Porto, mesmo junto à rotunda da Boavista”, revela, explicando que foi assim que, em 2022, passaram a gerir um Grupo com três clubes.
Claro que, tal, como tinha acontecido com o Glow e o Key, o tomar de rédeas do novo clube não aconteceu sem alguns percalços pelo caminho. “Eu até gostava do nome, mas a casa-mãe, em Paris obrigou-nos a retirá-lo”. Por isso, em julho de 2023 o Moulin Rouge passou a ser O Templo. O casal explica que fizeram algumas obras, mas o conceito manteve-se, com um mood que é diferente do que existe no Glow e no Golden Key.
O empresário destaca que cada um dos três clubes tem o seu conceito e o seu público. “O Glow é um espaço com conceito muito liberal, mais hardcore. Já o Key tem um conceito mais musical e de animação, para um público mais jovem”. Por seu turno, explica, “O Templo é um meio termo entre os dois: é o clube mais clube de swing”, explica, garantindo que, no seu percurso, nunca pensou ter três clubes. “Foi acontecendo”.
A logística de ter três clubes é enorme e Filipe e Lúcia passam grande parte do tempo – apesar de não terem abdicado das suas vidas profissionais – a tratar de assuntos relacionados com a sua gestão, algo que não delegam em ninguém. “Depois temos pessoas responsáveis por gerir os clubes à noite, até porque é impossível ir aos três todas as noites, mas a parte de gestão, somos nós que a fazemos”.
Tanto o Glow como O Templo permitem a entrada de singles masculinos – no caso deste último apenas às sexta-feiras e sempre acompanhados por um casal (e há também uma sexta-feira em cada mês em que é permitida a entrada sem a obrigatoriedade de acompanhamento de um casal). Contudo, todos os singles que querem entrar nestes espaços têm de passar por um processo de seleção. “Têm de nos enviar uma foto de rosto e ter uma conversa connosco em que nos expliquem as motivações para querer frequentar o clube. Se não estiverem alinhados em termos de atitude e forma de vestir, não os aceitamos”, reforça.
Gerir três clubes dá a Filipe e Lúcia uma perspetiva diferente sobre quem são hoje os clientes tipo dos clubes de swing em Portugal. E apontam uma preocupação: “Hoje há pessoas com idades muito mais reduzidas do que há 10 anos, o que altera um pouco as dinâmicas. E também há muitos casos em que as pessoas aparecem juntas, mas não são realmente casais. Essas situações, embora sejam apenas uma pequena minoria, acabam por desvirtuar um pouco o meio”, afirma Filipe.
O que também mudou foi a forma como vivem o swing enquanto casal: “com três projetos descurámos um pouco a parte de ser swinger. Não conseguimos estar nos nossos espaços e descontrair enquanto casal”, contam, sublinhando que acabam por desfrutar do lifestyle apenas quando vão para fora e onde podem voltar a ser “anónimos”.