“Vários clientes oferecem dinheiro para ter sexo com eles”. Passámos um dia numa sex shop

Pessoas que tentam trocar vibradores usados, outros que gastam 1500 euros de uma só vez. Nestas lojas que estão a ser lentamente ultrapassadas pelo negócio online, há um pouco de tudo.

Há um misto de emoções que quase toda a gente sente quando entra numa sex shop. Por um lado, a forma como as montras são habitualmente cobertas com vinis e outros materiais que eliminam qualquer ligação visual entre o quotidiano do exterior e o mundo dos pecados, desejos e prazeres – mais ou menos secretos -, dão a quem entra a sensação de estar a ingressar num mundo proibido. Ao mesmo tempo, esta proteção, que é tudo menos acidental, transforma a loja num espaço seguro, onde sentimos que podemos conhecer brinquedos e tendências novas, tirar dúvidas e, claro, levar algumas novidades para casa.

Este é um negócio em plena expansão. Segundo a plataforma mundial de estatística, Statista, nunca se compraram tantos brinquedos sexuais como em 2023. Só nos 12 meses do ano passado, o volume total de vendas de brinquedos sexuais somou 30,1 mil milhões de euros. E não vai ficar por aqui: de acordo com os especialistas, a previsão é que este sector atinja um volume de vendas a rondar os 74,3 mil milhões de euros em 2030.

E se, é verdade que o crescimento da venda online explica grande parte desta evolução, a verdade é que ainda é das lojas físicas que uma fatia deste montante vem. Para perceber melhor como funciona este negócio, pegamos no nosso bloco de notas e fomos passar uma tarde a uma sex shop no centro de Lisboa. Acompanhados pela funcionária, assistimos ao entra e sai dos clientes e ouvimos as histórias mais divertidas – e também as mais bizarras e assustadoras que Ana (nome fictício, por questões de dever de sigilo contratual) nos contou dos mais de 4 anos que leva por trás do balcão desta loja.

Chegamos logo a seguir ao almoço e, apesar de a loja estar naquele local – uma das mais movimentadas artérias da cidade – há vários anos, conseguimos sentir na parte de trás do pescoço o olhar de reprovação de algumas das pessoas que por ali passavam naquele momento. E a julgar pela conversa com a funcionária da loja, não foi apenas uma questão de impressão.

Ana explica à Kinks que a maioria das pessoas que atende na loja são homens e que, apesar de toda a normalização do sexo, ainda há muita vergonha e a necessidade de olhar para os lados na rua antes de entrar. “Isto acontece principalmente com os clientes mais novos, de 20, 22 anos. A verdade é que ainda continua a existir um grande estigma em relação às sex shops e isso leva a que as pessoas se retraiam um pouco”, explica. E os clientes mais velhos? “Esses já não se preocupam com nada. A partir dos 40 entram e saem sem pensar duas vezes”, brinca.

“As pessoas não entendem o absurdo que é tentar trocar um vibrador usado”

Segundo nos explica, ultrapassados os temores iniciais, muitos dos clientes tornam-se bastante fiéis e regressam com frequência. “A loja mantém-se muito devido aos clientes habituais. Semanais e mensais”, revela Ana, confessando que há vários clientes que até já a tratam pelo nome próprio. “E eu a eles”, sublinha.

Uma parte significativa da clientela procura a sex shop em busca de comprimidos e outros produtos que ajudem a garantir que tudo funciona como deve ser na “hora H”. Mas há clientes com gostos mais refinados: “temos um cliente que compra vários brinquedos, acho que faz coleção. Há também alguns casais que cá vêm quase todos os meses à procura de brinquedos novos para apimentar a sua relação”, adianta Ana à Kinks.

São estes os clientes que Ana mais gosta de atender. “São simpáticos, fiéis, e acabam por regressar e dar-nos feedback sobre o que compraram”, explica, frisando que esta troca de ideias permite criar relações de maior proximidade, mas também perceber o que querem os clientes, de tal forma, que “já houve brinquedos que começamos a comercializar por causa da quantidade de vezes que nos perguntavam por eles, como é o caso dos Dragon Dongs”. “Deve ser uma coisa dos filmes porno, mas o que é facto é que a procura disparou e agora temos sempre disponíveis e com grande saída”, confessa.

Mas atenção, alerta Ana, não se pense que não sabe do que está a falar. Até porque, garante, “qualquer pessoa que seja contratada para uma sex shop passa por um processo de formação específica durante um par de semanas antes de ir para a loja”. Além disso, sempre que há algum artigo novo é dada formação, quer pelos superiores ou até mesmo pelas marcas.

Contudo, nem sempre a interação com os clientes é positiva, admite Ana. “Já tive vários clientes a oferecer-me dinheiro para ter sexo com eles. Assim mesmo, a perguntar-me diretamente qual o valor que levava para ter sexo enquanto abriam a carteira descontraidamente para mostrar as notas”, revela, adiantando que nem só de homens vieram os convites: “já perdi conta à quantidade de casais que me perguntaram se aceitava participar em trios e outras coisas que tais”. Questionada acerca da forma como encara essas situações, Ana disfarça com um sorriso o incómodo provocado pela pergunta. “Não ligo”, conclui.

As histórias bizarras e recorrentes da vida de quem passa os dias numa sex shop não ficam por aqui. Até porque não é incomum aparecerem clientes insatisfeitos a tentar trocar produtos, “na maior parte dos casos, vibradores”. “Porque não funcionam devido a mau manuseamento, ou porque a esposa não gostou do tamanho do vibrador. Ou não gostou da cor”, conta, frisando que “as pessoas não entendem o absurdo que é tentar trocar um vibrador usado. Nós não trocamos artigos de utilização íntima: assim que sai da loja não pode voltar”.

Ana revela à Kinks que a maior parte dos clientes gasta entre 40 e 50 euros com brinquedos, acessórios e outros produtos da sex shop. Mas que também há quem abra, verdadeiramente, os cordões à bolsa: “já tive clientes a gastar 500 euros, 700 euros ou até 1500 euros de uma só vez em compras aqui na loja”, conta à Kinks.

Embora diga que são os clientes que a mantém atualizada em relação às grandes tendências e de já ter visto um pouco de tudo, a funcionária da sex shop diz que há produtos cujo prazer na utilização ainda não consegue compreender, como é o caso dos dilatadores de uretra. “Para mim, continua a ser aquilo que faz mais confusão. Respeito os gostos de cada um, mas lá que é estranho, lá isso é”, conclui.

Mais Kinks